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Blog do Gesner Oliveira

Não existe bagagem de graça

Gesner Oliveira

14/03/2017 16h15

Ninguém quer pagar mais pela bagagem ao viajar de avião, mas não é isso que deve acontecer com a norma aprovada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e que entraria em vigor hoje. A decisão que, entre outras medidas, inclui a permissão para que as companhias aéreas cobrem separadamente o despacho de bagagens foi suspensa pela Justiça, mas faz sentido do ponto de vista econômico e pode trazer benefícios ao passageiro.

Pela regra vigente, os passageiros podem despachar, sem cobrança adicional, bagagens de até 23 quilos em viagens nacionais e dois volumes de 32 quilos cada em voos internacionais. Além disso, é permitido levar 5 quilos como bagagem de mão.

Como não existe almoço grátis, a bagagem hoje não é gratuita. O que ocorre é que o preço pelo uso do espaço do avião por quem despacha bagagens está embutido no preço da passagem e diluído no valor do bilhete para todos os passageiros. Na realidade, quem não leva bagagem subsidia o passageiro que despacha seus 23 kg. Situação análoga ocorre quando uma conta de restaurante é dividida igualmente por um grupo de amigos, mas uns comeram  e beberam bem mais do que outros. O mero rateio não é a divisão mais justa.

Pela nova regra, o passageiro teria direito a levar 10 quilos de bagagem de mão e o despacho de bagagens seria cobrado à parte. A franquia de bagagem passaria então a ser acordada livremente entre empresas e passageiros, dando a opção para as aéreas oferecerem tarifas diferenciadas para o passageiro escolher a que melhor se encaixa no seu perfil.

A Resolução da ANAC não é jabuticaba. O fim da franquia é tendência mundial. Além do Brasil, apenas México, Venezuela, Rússia e China regulam a bagagem despachada. A decisão da Anac procura alinhar as normas brasileiras com o que já acontece no resto do mundo. Em outros países é comum viajar com as chamadas companhias low-cost, que vendem passagens mais baratas, mas cobram por cada serviço adicional. O consumidor ganha qual ele pode escolher e geralmente perde quando alguém quer decidir por ele.

É louvável, contudo, a preocupação de muitas pessoas que temem mero aumento das passagens como resultado da medida da ANAC. Mas não parece ser esse o resultado mais provável. Conforme comentado antes, atualmente o transporte da bagagem já é cobrado, mas não aparece no preço da passagem e é dividido de forma injusta.

O efeito esperado da medida da ANAC é da ocorrência daquilo que os economistas chamam de discriminação de preço. A expressão vem carregada de uma conotação negativa, mas é prática comum e não necessariamente prejudicial ao consumidor. Neste caso, reflete simplesmente o fato de que serviços diferentes (com e sem bagagem) serão cobrados de forma diferente.

É razoável esperar uma redistribuição do custo de forma a ter tarifas mais altas para quem tem bagagem e mais baixas para aqueles que viajam sem bagagem. Com maior liberdade, empresas e consumidores ficam em uma situação melhor do que quando regulados pela Justiça.

Poderia ser melhor? Certamente, sim. Se houvesse mais concorrência no mercado, isto é, mais empresas e opções para o consumidor, a possibilidade de cobrar pela bagagem geraria mais um mecanismo de competição, favorecendo o consumidor.

Quanto mais empresas concorrendo entre si, maior o incentivo para oferecerem um serviço de melhor qualidade e com menor preço, como promoções para o despacho de bagagem, por exemplo. A facilitação da entrada de novas empresas no setor, além de outras medidas que estimulem a concorrência, portanto, é o principal desafio do setor aéreo.

A decisão da Anac sobre a possibilidade de cobrança à parte das bagagens despachadas é positiva e está em linha com o que se observa no resto do mundo. Os órgãos de defesa do consumidor deveriam lutar por mais concorrência e menos intervenção no mercado se querem de fato melhorar a vida dos  consumidores.

Sobre o autor

Gesner Oliveira é ex-presidente da Sabesp (2006-10), ex-presidente do Cade (1996-2000) e ex-secretário de Acompanhamento Econômico no Ministério da Fazenda (1995) e ex-subsecretário de Política Econômica (1993-95). É doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), sócio da GO Associados, professor de economia da FGV-SP e coordenador do grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da FGV. Foi eleito o economista do ano de 2016 pela Ordem dos Economistas do Brasil (OEB).

Sobre o blog

Você entende o que está acontecendo agora na economia? E o impacto que a macroeconomia tem sobre sua vida? Quando o emprego voltará a crescer? Como a economia impacta sobre o meio ambiente? Vale a pena abrir uma franquia? Investir em ações da Petrobras? Este blog se propõe a responder a questões desse tipo de maneira didática, sem economês.

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