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Blog do Gesner Oliveira

Uma delação mais que premiada

Gesner Oliveira

24/05/2017 04h00

O acordo de delação com os Irmãos Batista revelou múltiplos crimes e indícios de crimes que precisam ser investigados minuciosamente. Tudo merece ser investigado, inclusive o próprio acordo.

Imunidade para as investigações em andamento, perdão judicial para denúncias realizadas, multa de apenas R$ 110 milhões a partir de junho de 2018 e liberdade para permanecer fora do Brasil. Foi o que cada um dos irmãos Batista conseguiu com a delação para lá de premiada que fizeram com o Ministério Público Federal (MPF).

Parece um belo presente para os delatores, mas problema maior é o custo pago pela sociedade sem que se tenha a certeza de que os benefícios sociais poderão ser colhidos.

O maior ônus recai sobre os trabalhadores.  Mais um ano de recessão – o terceiro consecutivo – pode representar a perda de mais de um milhão de postos de trabalho. Somando-se a isso o aumento da oferta de mão de obra, o estoque de desempregados pode chegar a 16 milhões em 2018!

As perdas no mercado de capitais foram gigantescas. Na semana passada a Bovespa recuou 8,2%, depois de registrar sua maior queda diária desde 2008 na quinta-feira, de 8,8%. No mesmo dia o dólar comercial disparou e fechou em alta de 8,15%, em R$ 3,38, o maior salto desde janeiro de 1999. Mas ao que parece os donos da JBS ainda lucraram com o prejuízo dos outros: teriam vendido R$ 330 milhões em ações da empresa quando a delação já estava em curso e ganhado cerca de R$ 700 milhões com compra de dólares momentos antes da divulgação da notícia.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu processo administrativo para apurar se houve uso de informação privilegiada sobre o teor da delação para ganhar essa bolada. Acontece que eventual crime de "insider trading" em nada afetaria o que foi acordado na delação. Em tese, uma vez homologado, um acordo de delação premiada não pode ser alterado pela Justiça.

É lamentável que tais custos estejam associados à forma pela qual a operação foi conduzida. Uma informação parcial e incorreta foi plantada em jornal de grande circulação e depois alardeada sem um mínimo de rigor jornalístico. Lançou-se uma bomba na economia e no Congresso sem ao menos haver uma perícia detalhada do áudio que contém a gravação da conversa com o Presidente da República.

Some-se a isso um fato que gera suspeita: um procurador que atuava próximo à cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR) até recentemente deixou o setor público para trabalhar em escritório que negociou com a própria PGR os termos do acordo com a JBS.

Os efeitos nefastos do episódio não param por aí. A série de dúvidas acerca da robustez técnica do acordo com a JBS coloca em risco a credibilidade de um instrumento tão valioso e eficaz quanto a delação premiada. Como a Operação Lava Jato e a prática antitruste têm mostrado, a delação premiada é uma ferramenta importante no combate à corrupção na medida em que deixa qualquer acordo ilegal fragilizado. Quando mal utilizada, porém, coloca em risco a própria investigação ao tornar nulas informações valiosas que se pretendia obter.

Como os delatores foram embora também não se tem a chance de aprofundar as informações obtidas e promover acareações e exames de consistência que poderiam gerar provas melhores, mais sólidas e abrangentes.

A forma pela qual se conduziu a operação amplificou os custos e reduziu os benefícios. O conjunto da obra lembrou a Operação Carne Fraca. Em respeito aos milhões de desempregados do país, será necessário rigor técnico muito maior e cuidado com os efeitos sobre a economia.

Sobre o autor

Gesner Oliveira é ex-presidente da Sabesp (2006-10), ex-presidente do Cade (1996-2000) e ex-secretário de Acompanhamento Econômico no Ministério da Fazenda (1995) e ex-subsecretário de Política Econômica (1993-95). É doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), sócio da GO Associados, professor de economia da FGV-SP e coordenador do grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da FGV. Foi eleito o economista do ano de 2016 pela Ordem dos Economistas do Brasil (OEB).

Sobre o blog

Você entende o que está acontecendo agora na economia? E o impacto que a macroeconomia tem sobre sua vida? Quando o emprego voltará a crescer? Como a economia impacta sobre o meio ambiente? Vale a pena abrir uma franquia? Investir em ações da Petrobras? Este blog se propõe a responder a questões desse tipo de maneira didática, sem economês.

Gesner Oliveira