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Blog do Gesner Oliveira

O tripé do imediatismo do brasileiro

Gesner Oliveira

11/12/2017 18h12

De acordo com pesquisa realizada pelo Datafolha, 65% dos brasileiros não poupam para o futuro. Mesmo entre as classes mais ricas, cerca de metade não faz nenhum tipo de reservas. A partir do levantamento, nota-se no Brasil a existência de um "tripé do imediatismo": história adversa à poupança, falta de incentivo e falta de educação financeira.

O resultado da pesquisa indica um futuro incerto para a maioria dos brasileiros. Apenas um terço da população poupa e, desta parcela, 58% poupa 10% ou menos do total de sua renda. A propensão a poupar é baixa independentemente do nível de escolaridade e de renda. Apenas 14% dos entrevistados complementam o INSS com alguma previdência privada.

Mas o que está por detrás do desejo do brasileiro de querer gastar tudo no presente e não deixar nada para depois? É possível identificar três fatores. O primeiro está ligado à relação do brasileiro com a poupança ao longo da história. Ao contrário de outros países na Europa e Ásia, por exemplo, não houve por aqui grandes catástrofes (ainda bem!) que estimularam a poupança. Países que sofreram com guerras mundiais, grandes conflitos ou mesmo fenômenos naturais aprenderam a se preparar para o inesperado.

No Brasil o que se observou foi o oposto. Eventos como a disparada da inflação no final da década de oitenta estimulou o consumo. Fazia sentido até estocar alimentos em casa antes que o preço subisse no dia seguinte. O confisco à poupança na era Collor puniu aqueles que guardavam seu dinheiro e os próprios planos econômicos para combater a inflação alteravam as regras da caderneta e prejudicava os poupadores. A história brasileira marcada por desrespeito aos contratos e excesso de ativismo do Judiciário e do Executivo geram insegurança e contribuem para o consumo inconsciente.

Outro fator é que no Brasil há pouco incentivo para poupar. Nem mesmo o governo dá o exemplo e costuma gastar mais do que arrecada. Aqui a aposentadoria e o FGTS repõem ou superam a renda atual do brasileiro na maior parte dos casos. Os sistemas de saúde e de ensino de graça, apesar de falhos, desestimulam a poupança. Na China, por exemplo, a maior parte da população poupa, pois só assim terão acesso a serviços como o de saúde e educação. Na Europa, o Estado de bem-estar social garante inúmeras facilidades à população, mas há países em que a previdência privada é obrigatória.

O terceiro fator do tripé do imediatismo brasileiro é a limitada educação financeira. No exame global do Pisa de 2015, que mede a capacidade de raciocínio, o Brasil ficou em 65º em matemática, de um total de 70 países. Mais da metade dos estudantes de 15 e 16 anos ficaram no nível 1, quem domina apenas três operações aritméticas: soma, subtração e multiplicação. O conhecimento financeiro só é considerado básico a partir do nível 2, que inclui o domínio da divisão. Apenas 3% dos alunos atingiram o nível 5, no qual são capazes de tomar decisões relacionadas às próprias finanças.

Quando somados, os três fatores ajudam a explicar o porquê de o brasileiro se preocupar tão pouco com seu futuro. O resultado deste tripé do imediatismo é ruim para todo mundo: altas taxas de juros, inadimplência e endividamento.

Sobre o autor

Gesner Oliveira é ex-presidente da Sabesp (2006-10), ex-presidente do Cade (1996-2000) e ex-secretário de Acompanhamento Econômico no Ministério da Fazenda (1995) e ex-subsecretário de Política Econômica (1993-95). É doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), sócio da GO Associados, professor de economia da FGV-SP e coordenador do grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da FGV. Foi eleito o economista do ano de 2016 pela Ordem dos Economistas do Brasil (OEB).

Sobre o blog

Você entende o que está acontecendo agora na economia? E o impacto que a macroeconomia tem sobre sua vida? Quando o emprego voltará a crescer? Como a economia impacta sobre o meio ambiente? Vale a pena abrir uma franquia? Investir em ações da Petrobras? Este blog se propõe a responder a questões desse tipo de maneira didática, sem economês.

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