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Blog do Gesner Oliveira

São Silvestre pode mexer mais com São Paulo

Gesner Oliveira

31/12/2017 21h15

A corrida de São Silvestre não é a mais importante do ponto de vista do atletismo de competição, mas é de longe a mais tradicional e conhecida do Brasil e na América Latina. Você pode contar pra alguém de fora da cidade que fez uma maratona (42km!) que a pessoa, se não for viciada em corrida, não vai se impressionar. "Você correu a São Silvestre? Então, é um atleta!"

Mas o evento poderia fazer mais por São Paulo, reforçando o enorme potencial turístico da cidade para as Festas de Final de Ano. Tudo bem que reveillon é ir à praia, pular sete ondas e presentear Iemanjá. Mas pra quem tem isso o ano inteiro, São Paulo pode parecer um destino interessante pelos restaurantes, museus, virada na Paulista e a própria São Silvestre.

De túmulo do samba, na injusta expressão de Vinícius de Moraes (logo ele, que exaltava a vida!), São Paulo se transformou em um dos pólos do Carnaval. Algo semelhante pode acontecer com Natal e Ano Novo. Isso representaria mais turismo interno, mais renda e especialmente muitos empregos.

E isso sem prejuízo de outros destinos que estão superlotados e não têm a infraestrutura de São Paulo que fica ociosa durante a passagem de Ano. Eu também adoro circular nesta cidade nesta época do ano sem trânsito e sem filas. Mas o leitor não imagina a aflição que dá para um economista ver tanto capital físico sem utilização em um país escasso em capital e com um desemprego alarmante!

Sou fascinado pela São Silvestre desde criança. Desde uma noite de Véspera que meu pai me levou para assistir a prova que até 1988 acontecia à noite, logo antes da queima de fogos. A magia da prova ainda é perceptível hoje; nesta manhã mesmo, estava no olhar das crianças que não se cansam de dar as mãos em um "give me five" aos milhares de corredores amadores que desfilam pelas ruas da cidade.

Dada esta ligação afetiva, sinto-me credenciado para dar palpites de como tornar o evento ainda mais atraente. Há sugestões muito melhores, como as de Sergio Xavier, que explicou de forma didática como evitar muvuca na largada da prova. A 93ª edição realizada hoje não resolveu o problema, mas melhorou em alguns pontos. Foi a mais organizada das 16 São Silvestres que corri (ou andei?). Não faltou água para os inscritos (nem chuva).

Seguem três pitacos. Primeiro, valorizar o percurso da prova, chamando atenção para os marcos da cidade. Quem chega em Sampa de Caetano não necessariamente entende esta cidade e a prova passa pelo cruzamento da Ipiranga e São João, tangencia o Teatro Municipal e acaba na temida Brigadeiro. Por que não integrar o percurso ao roteiro turístico da cidade, lembrando ao visitante que ele está pisando em solo de conquistas de mitos como o tcheco Emil Zatopek, a "Locomotiva Humana"; o brasileiro Émerson Iser Bem, que interrompeu a sequencia de vitórias do queniano Paul Tergat; e mais recentemente, de quenianas, como a avencedora de hoje, Flomena Cheyech, e etíopes, como o atual bicampeão, Dawitt Admasu.

Segundo, este mesmo percurso poderia ser palco de treinos nos finais de semana e feriados, eventualmente patrocidados por marcas esportivas. Seria mais uma alternativa de lazer esportivo e de empregos, oferecendo uma chance para o visitante e o paulistano correr a São Silvestre em qualquer época do ano.

Tais eventos serviriam para múltiplas finalidades como de aulas de iniciação esportiva, história da cidade e tomada de tempo para a formação de pelotões separados para uma largada mais organizada. Nessa linha, poderia ser criada uma Caminhada de São Silvestre, dando oportunidade a iniciantes e àqueles que já correram demais durante o ano.

Terceiro, poderia haver o engajamento de mais voluntários no trabalho de organização da prova. Faltam pessoas dando orientação básica e o quadro de colaboradores poderia ser reforçado com gente que entende e gosta de corridas. Em especial, a comunidade de corredores poderia ser mais envolvida, servindo entre outras coisas como fiscais de zeladoria da cidade. O corredor de rua sabe bem onde está sujo e esburacado e desde quando (ou desde sempre).

É fácil dar ideias. Difícil é implementá-las. Mas estou certo de duas coisas: a São Silvestre pode mexer mais com São Paulo e quando é mesmo a inscrição para a próxima?

Sobre o autor

Gesner Oliveira é ex-presidente da Sabesp (2006-10), ex-presidente do Cade (1996-2000) e ex-secretário de Acompanhamento Econômico no Ministério da Fazenda (1995) e ex-subsecretário de Política Econômica (1993-95). É doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), sócio da GO Associados, professor de economia da FGV-SP e coordenador do grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da FGV. Foi eleito o economista do ano de 2016 pela Ordem dos Economistas do Brasil (OEB).

Sobre o blog

Você entende o que está acontecendo agora na economia? E o impacto que a macroeconomia tem sobre sua vida? Quando o emprego voltará a crescer? Como a economia impacta sobre o meio ambiente? Vale a pena abrir uma franquia? Investir em ações da Petrobras? Este blog se propõe a responder a questões desse tipo de maneira didática, sem economês.

Gesner Oliveira