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Não acredite no superávit da Previdência, é uma balela

Gesner Oliveira

29/03/2017 16h22

Ao contrário do que dizem por aí, o saldo negativo da previdência não é uma farsa. No ano passado, o déficit atingiu R$ 149,7 bilhões, ou seja, 97% do déficit primário total do governo, de R$ 154 bilhões. Em 2015 o déficit havia sido de R$ 85,81 bilhões, representando 75% do total. A estimativa do governo para esse ano é de saldo negativo de R$ 181,2 bilhões, demonstrando a premência da reforma.

Tem gente que alega que o sistema previdenciário tem superávit e não déficit. É útil entender o raciocínio para ver o tamanho do equívoco. A tese do superávit na previdência leva em consideração o conjunto da Seguridade Social, que engloba, além das aposentadorias e pensões, as áreas da saúde e da assistência social. Nesse cálculo, somam-se às contribuições previdenciárias dos trabalhadores as contribuições do Cofins, CSLL, PIS e Pasep, chegando-se a um superávit da ordem de R$ 20 bilhões em 2015.

Mas a conta não faz sentido. Em primeiro lugar, não é razoável incluir contribuições e impostos sem incluir itens de despesas que têm historicamente financiado. Ou seja, as receitas pelos defensores do suposto superávit da previdência estão comprometidas em outras áreas, como saúde, educação, segurança, juros da dívida, entre outros.  Não existe manobra contábil que resolva um governo que gasta mais do que arrecada.

Em segundo lugar, e ainda mais relevante, é preciso garantir a sustentabilidade do sistema previdenciário. Importa menos saber se a conta fecha hoje ou não, mas sim se a trajetória das contribuições e dos benefícios é sustentável. A resposta a esta questão é clara:  o quadro só irá piorar nos próximos anos. Mesmo o ilusório superávit da Seguridade Social tem caído. Se em 2012 o saldo positivo era de R$ 80 bilhões, caiu para R$ 20 bilhões três anos depois.

A razão pela qual o sistema atual é insustentável é simples e está ligada ao envelhecimento da população. Hoje a proporção da população com 60 anos ou mais é de cerca de 12%. Em 2030 será de 18,3% e de quase 30% em 2050. Hoje, para cada beneficiário da previdência há 8,75 contribuintes. Em 2050, a relação será de apenas 2,83 contribuintes por beneficiário.

Quando se compara o Brasil a países mais maduros e que já passaram por esse processo de envelhecimento da população, é fácil perceber que o sistema brasileiro está em rota explosiva. Os gastos totais com a previdência no Brasil correspondem a cerca de 10% do PIB, número próximo da Alemanha, mas com uma proporção de idosos no total da população três vezes maior.

Projeções do Credit Suisse apontam para três cenários distintos em 2025. Em um cenário de desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo, mais idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, para trabalhadores urbanos e rurais, sem transição, o déficit da previdência em termos do PIB seria de -3,1%. Em um segundo cenário, mas agora sem a desvinculação do salário mínimo, o resultado seria de -3,8%. Sem nenhuma mudança o déficit representará -5,4% do PIB em 2025.

Não é preciso ser especialista em cálculo atuarial para constatar a urgência de uma reforma profunda da previdência. A exemplo da psicanálise, a tomada de consciência do problema é um passo importante para o processo de cura. Nutrir a ilusão de que a previdência vai bem obrigado coloca em risco as aposentadorias da atual e das próximas gerações de brasileiros.

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Sobre o autor

Gesner Oliveira é ex-presidente da Sabesp (2006-10), ex-presidente do Cade (1996-2000) e ex-secretário de Acompanhamento Econômico no Ministério da Fazenda (1995) e ex-subsecretário de Política Econômica (1993-95). É doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), sócio da GO Associados, professor de economia da FGV-SP e coordenador do grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da FGV. Foi eleito o economista do ano de 2016 pela Ordem dos Economistas do Brasil (OEB).

Sobre o blog

Você entende o que está acontecendo agora na economia? E o impacto que a macroeconomia tem sobre sua vida? Quando o emprego voltará a crescer? Como a economia impacta sobre o meio ambiente? Vale a pena abrir uma franquia? Investir em ações da Petrobras? Este blog se propõe a responder a questões desse tipo de maneira didática, sem economês.

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