Cem dias, mas sem lua de mel
Gesner Oliveira
10/04/2019 16h19
Na semana dos cem dias de governo Bolsonaro, há pontos para comemorar e outros para se preocupar. A lua de mel terminou cedo demais.
Ainda há o que comemorar. As condições de retomada da economia continuam presentes. O IPCA de março veio salgado, mas as expectativas inflacionárias continuam consistentes com as metas de inflação.
A inflação acelerou para 0,75% em março, maior taxa para o mês desde 2015, sendo a quarta alta seguida e maior taxa para um mês de março desde março de 2015. Apesar disso, as pressões foram pontuais e há razões para supor uma desaceleração nos próximos meses.
Por sua vez, as contas externas continuam folgadas, amortecendo eventuais pressões sobre o preço do dólar. A economia continua com capacidade ociosa, apta a crescer sem pressão de custos.
Apesar dos inúmeros tuítes e ruídos desnecessários, a agenda não está paralisada. O programa de privatização cumpriu 42% da meta de 2019 em apenas três meses. Foram leiloados 23 ativos de infraestrutura e há boas perspectivas para investimento em portos, aeroportos e ferrovias, entre outros segmentos da carente da infraestrutura brasileira. E projetos importantes, que estavam encalhados há tempos, como o cadastro positivo de crédito, foram aprovados.
Mas há motivo para se preocupar. A guerra das expectativas está sendo perdida. É sintomático que na véspera da eleição de Bolsonaro, o piso das expectativas para o crescimento do PIB em 2019 era de 1,53%.
Bastou o Congresso começar a funcionar e as limitações da articulação política do governo ficarem mais evidentes para que as previsões passassem a cair. Foi rápido: hoje a mínima das expectativas de expansão está em 1,1%.
Há menos de dois meses, ninguém no mercado achava que o país cresceria menos de 2% neste ano; hoje, pelo menos metade das mais de cem instituições consultadas toma este patamar como teto.
Nesta semana, a previsão do mercado caiu mais uma vez: 1,97% contra 1,98% na semana passada. Há um mês, os analistas esperavam um desempenho melhor da economia brasileira em 2019: crescimento de 2,28%. No início do ano, a expectativa era de alta de 2,53%.
O Datafolha revelou que as pessoas têm pior expectativa em relação à economia e às suas situações pessoais. Em dezembro, 65% dos brasileiros esperavam que a economia do Brasil iria melhorar e 67% esperavam que sua própria situação melhoraria. Hoje estes percentuais são de 50% e 59%, respectivamente.
A economia é movida em grande parte por expectativas e estas pioraram em função da descoordenação política. Ainda dá para virar o jogo neste início de primeiro tempo. Mas é bom lembrar que a história sugere as vitórias de um governo são construídas no primeiro tempo do jogo, ou não ocorrem.
Finalmente, o presidente abriu o diálogo com líderes partidários e trocou peças que não estavam funcionando , como a Educação. A lua de mel acabou, mas o casamento ainda pode funcionar para acertar a economia e reduzir o desemprego.
Sobre o autor
Gesner Oliveira é ex-presidente da Sabesp (2006-10), ex-presidente do Cade (1996-2000) e ex-secretário de Acompanhamento Econômico no Ministério da Fazenda (1995) e ex-subsecretário de Política Econômica (1993-95). É doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), sócio da GO Associados, professor de economia da FGV-SP e coordenador do grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da FGV. Foi eleito o economista do ano de 2016 pela Ordem dos Economistas do Brasil (OEB).
Sobre o blog
Você entende o que está acontecendo agora na economia? E o impacto que a macroeconomia tem sobre sua vida? Quando o emprego voltará a crescer? Como a economia impacta sobre o meio ambiente? Vale a pena abrir uma franquia? Investir em ações da Petrobras? Este blog se propõe a responder a questões desse tipo de maneira didática, sem economês.