Esquerda contra reforma da previdência: ignorância ou cinismo
Gesner Oliveira
21/05/2019 13h19
A concentração da renda aumentou no Brasil segundo a FGV. É curioso como muita gente se diz de esquerda e fala em combater a desigualdade, mas resiste à reforma da previdência. Ou não sabe fazer conta ou é cínico.
No Brasil, os 10% mais ricos ganham cerca de 17,6 vezes mais que os 40% mais pobres. Segundo a pesquisa IBRE/FGV, a crise aumentou esta diferença. O sistema previdenciário, que deveria pelo menos atenuar o problema, constitui fator adicional de concentração por três razões.
A primeira é a de que as melhores aposentadorias são pagas para as faixas de renda mais altas e por períodos mais longos. Os 20% mais ricos recebem 40% de gastos com previdência, enquanto os mais pobres ficam com 3,3%. As pessoas com mais escolaridade e que ganham salários maiores se aposentam em média aos 54 anos, enquanto os mais pobres tendem a se aposentar, em média, com 63 anos.
A segunda é a de que o sistema, tal como existe hoje, apresenta um déficit crônico. Neste ano, deverá fechar com um rombo estimado de R$ 309 bilhões. Se nada for feito, este buraco vai aumentar nos próximos anos.
Ocorre que a diferença entre os benefícios e as contribuições é coberta por impostos cobrados de forma injusta: os pobres contribuem proporcionalmente mais do que os ricos. A cada ano, portanto, os pobres transferem renda para financiar as aposentadorias dos ricos.
A terceira razão está associada à compressão dos gastos públicos pelo crescimento dos benefícios previdenciários. Com o envelhecimento da população, estes crescem mais rápido do que a produção e a arrecadação do governo.
Isso comprime a capacidade de gasto público com itens essenciais para a distribuição de renda, como educação e saúde. O rico paga escola privada cada vez mais cara. O pobre enfrenta a carência da escola pública, perpetuando e aprofundando a desigualdade. As despesas previdenciárias alcançarão, em 2019, 53,4% dos gastos totais, contra 15,86% do total com saúde, educação e segurança.
Quem se preocupa com a melhora da distribuição da renda no Brasil e se dispõe a ver os números não pode ser contra a reforma da previdência. A não ser que prefira a saída fácil de fazer coro com os privilegiados que recebem aposentadorias generosas às custas da população.
Sobre o autor
Gesner Oliveira é ex-presidente da Sabesp (2006-10), ex-presidente do Cade (1996-2000) e ex-secretário de Acompanhamento Econômico no Ministério da Fazenda (1995) e ex-subsecretário de Política Econômica (1993-95). É doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), sócio da GO Associados, professor de economia da FGV-SP e coordenador do grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da FGV. Foi eleito o economista do ano de 2016 pela Ordem dos Economistas do Brasil (OEB).
Sobre o blog
Você entende o que está acontecendo agora na economia? E o impacto que a macroeconomia tem sobre sua vida? Quando o emprego voltará a crescer? Como a economia impacta sobre o meio ambiente? Vale a pena abrir uma franquia? Investir em ações da Petrobras? Este blog se propõe a responder a questões desse tipo de maneira didática, sem economês.