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Blog do Gesner Oliveira

Vitória de Trump não é o fim do mundo

Gesner Oliveira

18/11/2016 06h00

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A eleição nos Estados Unidos do candidato republicano Donald Trump assustou os mercados do mundo inteiro. Contudo, os impactos no Brasil e na vida dos brasileiros não devem ser tão grandes. O objetivo deste artigo é explicar qual a relação entre a escolha do presidente americano com o que pensa o resto do mundo, assim como o impacto disso na vida das pessoas e das empresas.

A vitória de Trump aumenta o grau de incerteza sobre os rumos da economia e política em todo o mundo. Muito dessa incerteza vem do discurso eleitoral de Trump. O candidato republicano atacou muçulmanos e imigrantes, defendeu a construção de um muro na fronteira entre os Estados Unidos e o México e mostrou-se contra acordos comerciais que os países fecham para facilitar o comércio de bens e serviços entre eles. Seu discurso foi, portanto, protecionista, isolacionista e contrário à globalização.

Mas ele será capaz de colocar em prática tudo o que falou durante as eleições? Provavelmente não. Em primeiro lugar, muito do que é dito durante a eleição não acontece depois que o candidato sai vitorioso. O discurso de Trump convenceu muita gente, mas boa parte dele ou será moderado ou será esquecido. Em segundo lugar, para um político cumprir o que prometeu, precisa de apoio de outros políticos do seu partido. O que se observa no Partido Republicano é que o apoio a Trump é limitado. Por fim, os EUA não são como o Brasil. Lá o presidente tem menos poder porque as instituições americanas têm mais autonomia, são mais independentes e mais fortes.

Quer dizer então que o Trump não vai fazer nada do que prometeu? Para que serve ser o presidente dos EUA se ele não tem poder nenhum? Provavelmente Trump não conseguirá colocar em prática tudo o que falou, mas não se pode ignorar o significado de sua vitória e o fato de que algo deve mudar. Na visão de economistas e políticos pelo mundo, a expectativa é que aumentem os juros nos EUA e o dólar passe a valer mais. Este é o ponto-chave.

Juro nada mais é do que o preço do dinheiro. Existe um custo ao se emprestar um dinheiro para um amigo, por exemplo. Emprestar R$ 100,00 por uma semana significa ficar sem R$ 100,00 durante a semana toda. É por isso que as pessoas cobram uma taxa além do valor do empréstimo, para compensar o tempo sem o seu dinheiro. Se é cobrado R$ 120,00 do seu amigo e, ao final de uma semana, são R$ 20,00 de taxa, ou melhor, de juros. Normalmente exprime-se este valor em porcentagem, de modo que nesse exemplo a taxa de juros seria de 20%, dado que R$ 20,00 é 20% de R$ 100,00.

Uma das ideias de Trump é gastar mais dinheiro do governo e cobrar menos imposto de grandes empresas. A previsão de muita gente é que essa conta não fecha. Dessa forma, o governo não teria recursos suficientes para fazer isso. Isso significa aumentar a dívida do governo americano. Se seu amigo está sempre te pedindo dinheiro e nunca te paga de volta, faz sentido você pensar duas vezes antes de emprestar para ele novamente. Outra opção seria cobrar um valor maior ainda do que R$ 20,00, digamos, R$ 40,00. Assim a taxa de juros subiria para 40%, pois é arriscado emprestar para este seu amigo.

Com Trump o raciocínio seria o mesmo. Se ele resolver gastar demais, tende a se endividar, e os credores em geral só vão emprestar para os EUA mediante juros mais elevados pagos pelo Tesouro norte-americano, isto é, pelos contribuintes do país. Da mesma forma que uma taxa de juros mais alta prejudica quem toma emprestado, beneficia quem empresta. O mesmo ocorre com o aumento dos juros nos EUA. Mais gente ao redor do mundo vai preferir emprestar dólar lá ao invés de investir ou aplicar seu dinheiro em qualquer outro lugar do mundo, onde renderia menos.

Qual o resultado disso? Imagine um investidor estrangeiro que aplica seu dinheiro no Brasil. Com a alta da taxa de juros nos Estados Unidos, aplicar e emprestar lá passará a ser mais atraente para ele. Trata-se de um mercado menos arriscado, onde existe mais chance de receber seu dinheiro emprestado de volta.

Da mesma forma que, quando há menos tomate na feira o preço do tomate aumenta, quando tem menos dólar no país o seu preço aumenta também. E é isso o que já estamos observando hoje. A taxa de câmbio, que nada mais é do que o preço do dólar em reais, aumentou nessa última semana, passando de cerca de R$ 3,20 para quase R$ 3,40. Qual o impacto nas relações comerciais do Brasil com o dólar mais alto? O que muda nas relações entre nossas exportações e importações de bens e serviços com o resto do mundo?

O dólar mais alto é bom para aquelas pessoas e empresas que exportam produtos ou serviços para fora e recebem dólares por isso. Se antes recebiam R$ 3,20 para cada dólar de soja vendido para fora, agora ganham R$ 3,40. O dólar mais caro, portanto, ajuda o setor exportador, e consequentemente a indústria brasileira, que exporta muito produto.

Por outro lado, o dólar mais caro é ruim para muita gente. Primeiro, para aqueles que importam, isto é, que compram produtos do exterior. Um livro na Amazon de US$ 10,00 que antes em reais custava R$ 32, agora já custa R$ 34. Em segundo, pode haver aumento geral nos preços dos produtos aqui dentro. Há um repasse cambial para os preços. Com o dólar mais caro, aumenta também o preço dos nossos produtos.

Nas relações comerciais brasileiras, a expectativa é que não haja grandes impactos. Pouco deve mudar na relação dos EUA com o Brasil. Quando olhamos para o setor da agricultura, importante para o Brasil, os EUA já são bem fechados. O governo ajuda os produtores americanos e dificulta estrangeiros de venderem seus produtos agrícolas nos EUA. Caso Trump queira acabar com acordos comerciais, sofrerá forte objeção, dado que os acordos dos EUA com outros países fazem mais bem do que mal para a economia americana.

Embora a vitória de Trump tenha causado uma bagunça na política e na economia mundial, nós, brasileiros, temos mais com o que nos preocupar. Incerteza no mundo nunca é positivo, mas se fizermos nossa lição de casa estaremos tranquilos caso alguma crise apareça. Hoje, fazer a lição de casa significa arrumar as contas do nosso governo, que está superendividado. A vitória de Trump não é o fim do mundo, mas é o início de um mundo com mais incerteza.

Gesner Oliveira
Sócio da GO Associados

Sobre o autor

Gesner Oliveira é ex-presidente da Sabesp (2006-10), ex-presidente do Cade (1996-2000) e ex-secretário de Acompanhamento Econômico no Ministério da Fazenda (1995) e ex-subsecretário de Política Econômica (1993-95). É doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), sócio da GO Associados, professor de economia da FGV-SP e coordenador do grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da FGV. Foi eleito o economista do ano de 2016 pela Ordem dos Economistas do Brasil (OEB).

Sobre o blog

Você entende o que está acontecendo agora na economia? E o impacto que a macroeconomia tem sobre sua vida? Quando o emprego voltará a crescer? Como a economia impacta sobre o meio ambiente? Vale a pena abrir uma franquia? Investir em ações da Petrobras? Este blog se propõe a responder a questões desse tipo de maneira didática, sem economês.

Gesner Oliveira