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Blog do Gesner Oliveira

Protecionismo não é exclusivo de Trump

Gesner Oliveira

24/01/2017 16h34

O cumprimento da promessa de Trump de retirar os EUA do Tratado de Associação Transpacífico (TPP, em inglês) repercutiu no mundo inteiro, mas não deveria surpreender. O protecionismo aumentou de forma generalizada depois da crise mundial de 2008 e reflete contradições mais profundas do que a excêntrica agenda de política pública de Donald Trump.

A criação de blocos comerciais como a TPP veio na esteira do fracasso da Rodada de Doha da OMC. Na impossibilidade de aplicação do multilateralismo concebido no período pós-guerra, partiu-se para a criação de grandes blocos comerciais. O Brasil ficou na modesta iniciativa do Mercosul.

A TPP visa reduzir barreiras comerciais em algumas das economias com o crescimento mais rápido da Ásia e se estender do Canadá ao Vietnã O tratado foi assinado por 12 países: Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Cingapura, Estados Unidos e Vietnã, que representam 40% da economia mundial e um terço do comércio global. Um bloco respeitável, potencialmente capaz de fazer frente à China.

Além da saída na TPP, Trump anunciou que exigirá a renegociação do Nafta, acordo de livre-comércio integrado por Estados Unidos, Canadá e México. Disse que vai abandonar o tratado a menos que o país consiga um acordo justo. Segundo Trump, o Nafta gerou desemprego, baixa na produção industrial e perdas econômicas aos EUA.

Trump tem sido muito criticado por suas medidas protecionistas. Há modelos da teoria moderna de comércio que poderiam justificar uma postura agressiva de negociação. Mas a ação de Trump parece ser guiada muito mais pelo efeito midiático e eleitoral do que por qualquer fórmula de interação estratégica de teoria dos jogos.

O risco é prevalecer a falsa impressão de que os EUA, ou as demais economias desenvolvidas, constituem baluartes do liberalismo comercial. O protecionismos esteve historicamente ligado à industrialização dos EUA em particular na virada do Século XIX.

O "compre produto americano do Trump não é novo. Em meio à crise dos anos trinta, o "Buy American Act" foi aprovado em 1933 pelo Congresso americano e assinado pelo Presidente Hoover. Segundo a lei, o governo dos Estados Unidos deve preferir os produtos fabricados nos Estados Unidos em suas compras. Outras leis federais estendem requisitos similares às compras de terceiros que utilizam recursos federais, como programas de trânsito e rodovias.

Não é necessário ir tão longe para resgatar o protecionismo histórico americano. O próprio Obama, em 2009 no auge da crise, argumentou que o comércio livre norte-americano deveria ser recalibrado em favor dos trabalhadores americanos. Em 2009, um novo pacote feito por Obama incluía uma proibição sobre as compras de aço e ferro estrangeiros utilizados em projetos de infraestrutura.

Isso é esperado, pois Obama, mesmo se dizendo a favor do multilateralismo é um político de carreira e deve representar o interesse dos membros de seu partido. Segundo uma pesquisa da organização Public Citizen, 36 membros da Câmara e 7 do Senado elegeram-se com base em plataformas de "comércio justo" – ou seja, renegociar o NAFTA, adotar uma moratória para novos acordos de comércio, pensar duas vezes antes de deixar entrar produtos de quaisquer parceiros comerciais.

Apesar das diversas expressões a favor do multilateralismo nas relações internacionais e de eventuais atitudes, tais como seu apoio como senador da ratificação do acordo EUA-Peru, Obama não poderia deserdar os colegas de partido, mesmo se tivesse uma outra visão sobre o assunto. Trump, por outro lado, ao ser um outsider na política não precisa se comprometer com membros do partido republicano.

Retórica à parte, a contradição central reside no seguinte conflito: a produção de bens e serviços é transnacional, mas os estados são nacionais. A globalização da produção não foi acompanhada pela governança supranacional. Este é o grande desafio atual, com ou sem Trump.

Sobre o autor

Gesner Oliveira é ex-presidente da Sabesp (2006-10), ex-presidente do Cade (1996-2000) e ex-secretário de Acompanhamento Econômico no Ministério da Fazenda (1995) e ex-subsecretário de Política Econômica (1993-95). É doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), sócio da GO Associados, professor de economia da FGV-SP e coordenador do grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da FGV. Foi eleito o economista do ano de 2016 pela Ordem dos Economistas do Brasil (OEB).

Sobre o blog

Você entende o que está acontecendo agora na economia? E o impacto que a macroeconomia tem sobre sua vida? Quando o emprego voltará a crescer? Como a economia impacta sobre o meio ambiente? Vale a pena abrir uma franquia? Investir em ações da Petrobras? Este blog se propõe a responder a questões desse tipo de maneira didática, sem economês.

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