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Blog do Gesner Oliveira

Ano começa com a mordida do Leão

Gesner Oliveira

02/03/2017 12h25

De acordo com o calendário brasileiro, o ano começa apenas depois do Carnaval. Portanto, o ano começou há pouco. E hoje já começa a declaração de Imposto de Renda (IR).

A carga tributária brasileira é elevada para os padrões internacionais. Algo como 10 pontos percentuais a mais do que aquilo que seria esperado de um país com o PIB per capita do Brasil.

Mais uma vez a tabela do IR não foi corrigida pela inflação o que aumenta indevidamente o imposto cobrado. Pessoas que estariam isentas passam a contribuir e atuais contribuintes podem pagar mais pela simples variação do valor real das faixas como resultado da inflação.

No ano passado, a inflação medida pela Índice de Preços do Consumidor Amplo (IPCA) registrou variação de 6,29%. A tabela do IR, contudo, não foi atualizada pelo governo.

Segundo levantamento do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), a diferença entre a inflação e o reajuste da tabela chega a aproximadamente 83,1% nas duas últimas décadas. Como o governo arrecada mais, há uma tendência a não corrigir a tabela do IR, especialmente em tempos de crise fiscal como a atual.

Atualmente, uma pessoa com um salário mensal de R$ 1.903,99, ou seja, cerca de dois salários mínimos, já é obrigada a pagar o IR. Caso a tabela fosse atualizada de acordo com a inflação no período, apenas pessoas com renda superior a R$ 3.460,50 teriam que pagar o imposto.

Um exemplo simples de como o trabalhador médio brasileiro sofre com a defasagem na tabela de 2015 para 2016: Segundo a Pnad contínua, em 2015, o rendimento médio mensal de um trabalhador brasileiro foi de R$ 1.878,00. Ou seja, tal trabalhador era isento e não precisava fazer a declaração do imposto de renda. Em 2016, a renda mensal deste trabalhador aumentou para R$ 1,999,00, isto é um aumento de 6,44%, ligeiramente maior que a inflação do ano passado, de 6,29%. O ganho real de apenas 0,15% em salário no ano, foi equivalente a um acréscimo real de R$ 36,62 em sua renda no ano (já contando o 13⁰ salário).

Contudo, sem a atualização da tabela do IR, seu salário ultrapassa o mínimo para ser isento e agora ele deverá pagar o imposto. Isso fará com que pague R$ 60,06 de IR no ano (considerando apenas a dedução do INSS). Ou seja, sem a atualização da tabela, o trabalhador médio brasileiro sofre mais com a mordida do Leão e terá uma redução líquida de R$ 23,44 em sua renda anual.

Esse foi apenas um exemplo de como a defasagem na tabela do IR distorce as cobranças sobre a população. O quanto cada trabalhador vai perder devido a não atualização da tabela depende de três fatores: de sua renda; da faixa de alíquota em que se enquadra; e das deduções que cada um utiliza em sua declaração.

A boa notícia, contudo, é que o brasileiro não deve sofrer com aumentos nos impostos neste ano. Para haver aumento, em especial no caso do IR, o governo deve respeitar o princípio da anterioridade tributária, previsto na Constituição. Tal princípio prevê que uma lei que cria ou aumenta tributos só passa a valer no ano subsequente. De modo que, caso haja algum aumento este ano, deve ser algo pontual em taxas e contribuições que não precisam da aprovação do Congresso, como é o caso do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Em relação a cuidados práticos com a declaração do IR, a principal recomendação é organização. É fundamental que as pessoas se programem e juntem todas as informações necessárias da declaração para evitar cair na malha fina da Receita. Para isso, a dica é reunir todos os informes de rendimento, tanto do empregador como dos bancos e outros órgãos financeiros no quais a pessoa possua conta. Ter em mãos os comprovantes de despesas como de saúde, educação, aluguel e carnês de empregados domésticos também é importante. Para os que possuem dependentes, reunir as informações desses também.

Para as pessoas que possuem valores a serem restituídos e precisam do dinheiro, quanto antes enviar a declaração, mais cedo receberá. Por isso é bom não deixar tudo para a última hora.

Para os que irão restituir, mas não precisam do dinheiro com urgência, não há necessidade de fazer a declaração imediatamente. Isso porque, na restituição, o governo reajusta o valor a ser recebido pela taxa Selic, taxa que serve de referência para a maioria das aplicações de renda fixa, sem descontar nenhum imposto. Para aqueles que não são investidores profissionais, portanto, deixar o dinheiro na mão do governo para receber nos últimos lotes não chega a ser um problema.

Sobre o autor

Gesner Oliveira é ex-presidente da Sabesp (2006-10), ex-presidente do Cade (1996-2000) e ex-secretário de Acompanhamento Econômico no Ministério da Fazenda (1995) e ex-subsecretário de Política Econômica (1993-95). É doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), sócio da GO Associados, professor de economia da FGV-SP e coordenador do grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da FGV. Foi eleito o economista do ano de 2016 pela Ordem dos Economistas do Brasil (OEB).

Sobre o blog

Você entende o que está acontecendo agora na economia? E o impacto que a macroeconomia tem sobre sua vida? Quando o emprego voltará a crescer? Como a economia impacta sobre o meio ambiente? Vale a pena abrir uma franquia? Investir em ações da Petrobras? Este blog se propõe a responder a questões desse tipo de maneira didática, sem economês.

Gesner Oliveira