Reforma trabalhista ajuda milhões que vivem de bico
O Congresso deu um passo importante para a aprovação da reforma trabalhista. Como era esperado, não faltou polêmica, enterro simbólico da Consolidação das Leis do trabalho (CLT) e até deputado fantasiado de metalúrgico. Houve muito barulho e pouco conteúdo nas críticas à proposta de reforma. Dos vários assuntos que merecem aprofundamento, o trabalho intermitente merece atenção especial.
Trabalho intermitente é um serviço prestado de forma não contínua. Por exemplo, um jardineiro pode ser chamado para fazer uma tarefa específica em um condomínio; um programador pode ser contratado para um projeto; ou um garçom pode atender a diferentes buffets nas mais variadas ocasiões.
É comum usar a expressão "bico" para tais atividades e alguns opositores da reforma trabalhista defendem que a proposta do governo quer "perpetuar o bico". Nada poderia ser mais equivocado. Na realidade, quem é contra a reforma é que quer fechar os olhos ao mundo real e ignorar os milhões de trabalhadores que possuem um trabalho intermitente e que hoje não recebem qualquer proteção da CLT.
A arcaica CLT não poderia mesmo prever o trabalho intermitente e sua importância na atual economia conectada. Hoje, um número crescente de pessoas tem buscado alternativas em outras atividades para complementar sua renda. "Fazer bico" não é algo precário ou ruim, mas uma opção legítima e necessária na economia global. São cada vez mais comuns agências, plataformas e aplicativos que facilitam esse processo e ligam quem oferece a quem demanda trabalho, tanto fixo quanto temporário.
Outra tendência importante são os trabalhos que envolvem mais de um empregador. Ter apenas um patrão está ficando superado e isso não tem nada de precário. Pode ser benéfico tanto para quem trabalha quanto para a quem emprega. Para o primeiro, ter mais empregadores significa mais segurança. Para o segundo, elimina-se a relação de dependência com apenas uma fonte de trabalho. Há milhares de atividades desse tipo, como um consultor que atende diversas empresas, um jardineiro que trabalha em vários condomínios ou um garçom que trabalha em mais de uma empresa de eventos.
O argumento de que a reforma irá "perpetuar o bico" é um grande equívoco. O Brasil é que está atrasado neste aspecto. Cresce cada vez mais o número de agências internacionais para freelancers, como o Freelancer.com e o Upwork que funcionam e ajudam a milhares de pessoas vários países. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse tipo de ocupação já responde por mais de um terço da força de trabalho. Na Austrália, são populares sites como o Gumtree ou o Workfast, onde quem precisa pode fazer um dinheiro rápido até carregando móveis na casa de um vizinho.
Para este mercado de trabalho moderno funcionar, é preciso garantir aos trabalhadores as mesmas proteções e direitos do emprego fixo. É exatamente o que a CLT não faz. Nas leis atuais, as proteções estão atreladas aos empregos e não aos indivíduos. Só tem férias, recebe abono, 13º salário e descanso remunerado quem tem emprego fixo. Da mesma forma, o seguro-desemprego só vale para aquele desempregado.
Não há nenhuma razão para os trabalhos intermitentes ou bicos serem considerados precários. Aliás, a fonte da precarização é a manutenção de uma legislação arcaica que não prevê direitos para estes trabalhadores.
Sem a devida regulamentação, os eventuais acidentes de trabalho e doenças profissionais traduzem-se em trabalho informal e insegurança jurídica, com as incontáveis ações trabalhistas na justiça. É um jogo de perde-perde.
O texto aprovado ontem na Câmara visa consertar esses erros, garantindo os devidos direitos àqueles que se dedicam aos trabalhos intermitentes. Para este tipo de trabalho, em que são alternados períodos de prestação de serviço e de inatividade, a ideia é que haja um contrato que garanta a remuneração e os direitos do trabalhador proporcionais ao tempo de trabalho. Depois do serviço, o trabalhador teria o direito de receber o pagamento imediato de seu salário, não menor que o salário mínimo em hora; de férias proporcionais com acréscimo de um terço; 13º salário proporcional; repouso semanal remunerado; entre outros.
A modernização das leis trabalhistas no Brasil é fundamental não só para proteger o trabalhador como para aproveitar os enormes benefícios trazidos pelo avanço da tecnologia. Aqueles que criticam as mudanças na CLT ou vivem no passado ou querem perpetuar a precarização do trabalho de milhões de brasileiros. Neste sentido, o deboche dos opositores à reforma trabalhista está correto: a CLT deve mesmo ser enterrada.
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