IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

Histórico

Categorias

Blog do Gesner Oliveira

Privatização da Eletrobras e sua conta de luz

Gesner Oliveira

22/01/2018 17h41

Na última sexta-feira (19), foi encaminhado ao Congresso o Projeto de Lei sobre a privatização da Eletrobras. A reação do mercado foi positiva e hoje as ações da empresa foram as que mais subiram na Bolsa. O negócio é positivo por diversos fatores, dentre eles o estímulo a mais investimentos no setor, a ajuda nas contas públicas e preços menos artificiais aos consumidores.

Criada em 1962, a empresa é a líder em geração de energia elétrica no Brasil, respondendo por cerca de 1/3 do total da capacidade instalada no país. Também tem atuação importante no segmento de transmissão e de distribuição de energia. A animação recente do mercado com sua desestatização, no entanto, dá pistas sobre a atual situação financeira da empresa.

Estima-se que até 2011 a perda do país com a ineficiência da Eletrobras chegava a R$ 122 bilhões com impostos e dividendos não pagos. Isso sem considerar os prejuízos de suas seis distribuidoras nas regiões Norte e Nordeste. A famosa Medida Provisória nº 579 de 2012 caiu como uma bomba no setor e só piorou a situação da empresa. A estimativa é de prejuízos da ordem de R$ 30,7 bilhões entre 2012 e 2015.

Os números sugerem que caso a Eletrobras não seja vendida, o governo teria que gastar cerca de R$ 10,0 bilhões em sua capitalização. Dinheiro que hoje o governo não tem e que, se tivesse, poderia ser usado em Saúde e Educação, entre outras prioridades. A diluição da participação da União no capital da empresa traz vários benefícios, a começar pelos cerca de R$ 12 bilhões aos cofres públicos e que ajudarão o governo a manter sob relativo controle o rombo fiscal neste ano.

A União continuará tendo participação relevante no comando da estatal, apenas deixará de ser a sócia majoritária. Além de proibir que qualquer um dos acionistas detenha mais de 10% do capital total, o projeto prevê que o governo tenha uma "golden share", com poder de veto sobre assuntos vitais da empresa e da política pública. Algo semelhante ocorre com a Embraer na qual o governo pode exercer veto em assuntos estratégicos.

Hoje o governo possui quase tudo de uma empresa falida. Com a privatização, passará a ter pouco de uma empresa eficiente e que gera mais impostos e dividendos.

E, mais importante aumentarão os necessários investimentos para o setor de energia elétrica. É o resultado natural de uma empresa com menos ingerência política e uma gestão preocupada em trazer bons resultados. Em parte, devido às dificuldades financeiras, as empresas do grupo Eletrobras ficaram impedidas de concorrer nos últimos leilões de transmissão de energia.

Além disso, o projeto define a obrigatoriedade de ações efetivas para a revitalização da bacia hidrográfica do Nordeste. Serão destinados cerca de R$ 9 bilhões para restaurar a bacia do rio São Francisco durante o período de concessão.

Mas e o efeito no bolso do consumidor? Uma das principais mudanças que a privatização trará diz respeito a comercialização de energia. Atualmente, a Eletrobras utiliza as usinas sob o regime de cotas, um sistema que gerou uma perda direta de R$ 10,3 bilhões à empresa. A ideia é voltar ao sistema antigo, de concessões, no qual a empresa paga uma outorga à União para ter direito de explorar a usina hidrelétrica por determinado período.

Em contrapartida, em vez de ser obrigada a vender toda sua energia às distribuidoras por um preço fixado pela Aneel, pode vender a energia produzida para qualquer agente no livre mercado, por um preço a ser negociado. Isso poderia encarecer a conta de luz dos consumidores.

Por outro lado, há sinais positivos. Primeiro, com menos politicagem os preços passariam a ser menos artificiais para o consumidor. O que se viu recentemente foi o governo ditando preços de um lado enquanto usava os recursos de impostos para cobrir o rombo de outro. A partir de uma regulação adequada, a empresa cobrará dos consumidores de acordo com as condições de mercado e não com base em objetivos políticos imediatistas.

Segundo, o projeto prevê que parte dos recursos oriundos com a privatização da empresa será destinado para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para abater parte dos encargos setoriais. Junto com os custos de compra e transmissão de energia, tais encargos respondem hoje por 53,3% do preço final da tarifa de energia elétrica.

É evidente que do jeito que está a Eletrobras mais atrapalha do que ajuda. Sua situação financeira restringe a expansão da oferta de geração e transmissão de energia elétrica e acaba consumindo recursos da população que poderiam ser destinadas ao que realmente importa.

Se no curto prazo os efeitos no bolso do consumidor são incertos, no médio prazo são positivos. A experiência recente com populismo tarifário demonstrou uma vez mais que a tarifa artificialmente barata sai muito caro para todos.

Sobre o autor

Gesner Oliveira é ex-presidente da Sabesp (2006-10), ex-presidente do Cade (1996-2000) e ex-secretário de Acompanhamento Econômico no Ministério da Fazenda (1995) e ex-subsecretário de Política Econômica (1993-95). É doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), sócio da GO Associados, professor de economia da FGV-SP e coordenador do grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da FGV. Foi eleito o economista do ano de 2016 pela Ordem dos Economistas do Brasil (OEB).

Sobre o blog

Você entende o que está acontecendo agora na economia? E o impacto que a macroeconomia tem sobre sua vida? Quando o emprego voltará a crescer? Como a economia impacta sobre o meio ambiente? Vale a pena abrir uma franquia? Investir em ações da Petrobras? Este blog se propõe a responder a questões desse tipo de maneira didática, sem economês.

Gesner Oliveira